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terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Poesia... para começar bem o dia!


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Dia Internacional dos Direitos Humanos

Para refletir, um poema fantástico ...






Duas pombas pousam as asas 


Duas pombas pousam as asas 
no cimo de uma fraga abrupta. 
Uma é bela, branca e robusta, 
diplomata pombalina.

A outra, oriunda de uma fábrica devoluta, 
é uma pedinte das calçadas de granito 
conformada há anos com a podridão absoluta 
que a cor do infinito lhe cravou na espinha.

É uma tarde estival, o crepúsculo esfuma-se na fraga.
Duas pombas repousam, uma introspetiva, a outra sozinha. 
Ambas sentem um imenso medo da morte, do fim e do nada.
Há, contudo, uma linha subconsciente que as separa.

E, no entanto, o vento que as afasta desde a nascença, 
sopra agora, comovido, das entranhas de uma seara, 
as palavras exatas e a densidade imensa 
de um entendimento que a natureza evitou.

É uma tarde estival, também eu reflito no cimo de uma colina 
- a erudição humana. 
Com a vasta quietude de quem pensa e raciocina, 
aqui estou, debruçado sobre o encanto de quem se engana.
A vida inteira a defender a distinção da pomba em duas classes, 
- o grupo magno da pomba branca e o mísero ajuntamento da pomba carvoenta –,
para agora ver e não conseguir distinguir 
a paz do nomadismo em rostos de mudança. 

No cume da fraga, as pombas contemplam-se e ciciam algo. 
Fecho os olhos, sei o que dizem. 
A pomba branca, sábia e serena, doída de todo aquele confronto, 
volteia a pomba negra e murmura-lhe serenamente:

- Sê calma na aprendizagem da vida. 
Um dia, a morte pousa-te na asa, mas não temas. 
Lembra-te que é da escuridão que brotam as estrelas.

A pomba negra respira fundo, esvoaça e diz:

- Partamos então sem rumo. Mas não gemas. 
O ciclo é certo e manifesta-se em nós. 
Quando te cansares de ser a luz e a nossa voz, 
eu levo os astros e sucedemo-nos, 
formando um ciclo imperfeito que ao nosso ritmo passa. 
Porque afinal, somos uma só raça.

É uma tarde estival, de olhos fechados, interrogo-me
se ao humano não bastava a palavra certa.
Em silêncio, escuto-a placidamente em mim. 

Um dia, cantá-la-ei a toda a gente e a fraternidade 
será redescoberta em cada face, em cada ser. 
Ao longe, sinto a palavra e a sua exatidão. 
A palavra que fará o mundo mover-se numa só direção.

André Santos Oliveira, in “Meia-Asa”, a editar em breve pela Chiado Editora