Disseram-me: fica aqui
E guarda a linha branca atrás de ti
Defende-a de qualquer maneira
Mas com unhas e com dentes.
Como se fosse a porta da tua casa.
Como se disso dependesse a tua vida
E a sorte da escola inteira.
Sou míope, não vejo a bola, Não distingo as cores,
Gritei muito alto.
Ninguém ouviu.
A bola já rolava e a terra tremeu
Sob os pés dos jogadores.
Os da minha equipa perseguiam a bola que os perseguia a eles.
Os outros perseguiam os da minha equipa que perseguiam a bola que os perseguia a eles.
Era tudo perto, mas ao longe.
O pior era a bola, que chegava de repente, vinda de lado nenhum, à procura da baliza.
A malta volta a gritar e a terra volta a tremer sob os pés dos jogadores.
De repente todos gritam: Golo! Golo! Golo!
Estremeci, abri e olhos, procurei a bola e não a vi.
Foi nosso o último lugar do campeonato escolar.
Os meus colegas de equipa
Deixaram de me falar.
Os outros ainda me chamam burro toupeira, camelo, rato.
Pai de um porco.
Filho de um sapo.
Deram-me uns óculos de lata e uma batata.
Nunca mais guardei nada de ninguém.
Nunca mais joguei à bola.
Agora vejo os jogos na bancada,
Sozinho, sem ninguém à volta,
E imagino-me o guarda-redes da escola.
O limpa-palavras e outros poemas, de Álvaro Magalhães