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quarta-feira, 11 de julho de 2018

Um poema para começar o dia!

Aldeia
Aldeia 


recordo os abraços de mãe 
nas noites de trovoada 
e de lhe perguntar se aquela chuva toda 
ia inundar o mundo. 
recordo aquela manta que servia toda a família 
quando chegava a hora da novela. 
e aqueles passeios pelo campo 
sem destino ou direção.

as lareiras iluminavam as noites 
de cheiro a madeira queimada, 
a escuridão combatia-se com a luz fraca 
dos candeeiros da rua. 
e nós cantávamos canções, 
dizíamos boas noites aos avós e tios, 
e depois mergulhávamos nos lençóis gélidos. 

ao nascer do dia 
seguíamos em excursões sem fim, 
prometendo a nós próprios desbravar o mundo. 
e o mundo era aquele campo de milho, 
a ribeira e os sapos, 
as pinhas (que aqueciam a casa) 
e as amoras (que davam para fazer geleia). 


recordo as incursões ao rio 
e de como invejava o miúdo 
que nadava até uma pedra. 
tão distante como daqui à lua, julgava eu. 
recordo os dias de feira, 
das galinhas, patos e perus. 
recordo aqueles homens e mulheres 
com as linhas da mão sujas 
pelas enxadas que trabalhavam a terra 
e pela lenha que tinham de cortar
para vencer o frio. 

vivia-se com pouco, 
mas vivia-se com um sorriso. 
agora parecem memórias distantes, 
impossíveis de repetir. 

resta este poema 
e a alegria de saber 
que tudo isto existiu 
— a memória deixa assim 
de morrer comigo. 

Rodrigo Ferrão