Aos Poetas

Miguel Torga
Somos nós
As humanas cigarras!
Nós, desde o tempo de Esopo conhecidos…
Nós,
Preguiçosos insetos perseguidos.
Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar!
Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpítam.
Asas que morrem mas que ressuscitam
Da seputura!
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.
Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz!
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz!
E vos digo e conjuro que canteis!
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal!
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural!
