Comemorações do centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2019)
Com a atividade "Sophia passou por aqui", a EB 2,3 de Gueifães, pretende evocar a figura única e especial de uma "autêntica princesa da literatura portuguesa"
"Como já várias
vezes contei – mas tenho de repetir pois para mim foi fundamental: na minha infância,
muito cedo, antes de saber ler, aconteceu-me ouvir recitar um poema antigo
tradicional português que aprendi de cor. Daí em diante, o meu avô materno, que
era um apaixonado leitor de poesia, passou a ensinar-me os poemas de que mais
gostava, independentemente de serem ou não para a minha idade. Ensinava-me
sobretudo sonetos de Camões e de Antero. Camões parecia-me um palácio de vidro,
transparente, luminoso atravessado por uma luz doirada. Em Antero, a luz era
diferente, uma luz atormentada, cheia de clarões e de sombras.
A linguagem de Camões, na sua
musicalidade, a sua nitidez, a maravilhosa ondulação das vogais confundiram-se
para mim com a própria língua que falo.
É evidente que também fui influenciada
por poetas do meu tempo: Pessoa (e sobre ele escrevi obcecadamente e
conflituosamente durante algum tempo – escrevi não ensaios mas poemas), Ruy
Cinatti, que foi um dos “gurus” da minha adolescência, mestre de poesia e
liberdade, Jorge de Sena, o poeta que tanto admirei e o amigo em quem tanto
confiei, Torga e o seu profundo sentido da terra e do lirismo português.
E também a arquitectura do meu
país foi para mim mestra e musa: estilo manuelino: gruta povoada de corais e
indicas memórias, pedras claras na luz marinha, contorno de espumas, mimésis,
metamorfose, eflorescência da errância e da memória, forma construída pela
diversidade das formas. Influenciada fui também pela beleza única e especial
dos antigos solares portugueses, onde, mesmo nos mais barrocos, há algo de nu e
despojado e onde a arquitectura é uma arte poética, uma dicção, lírica, clara e
nítida: era assim que eu gostaria de escrever.
E se a Grécia muito me
apaixonou e ensinou, essa paixão nasceu no contexto do meu país: praias
luminosas, friso das espumas, montanhas quentes de sol, pequenas azeitonas
pretas na palma da minha mão, sombra leve da oliveira.
Falo do que vi".
Palavras da própria Sophia de Mello Breyner Andresen
65ª Feira do Livro, Porto, 1995