Bem-vindo ao Blogue das Bibliotecas Escolares do agrupamento da Maia!

segunda-feira, 14 de setembro de 2020

A cada dia... o seu poema!



O poeta, escritor e presidente da Sociedade Portuguesa de Autores, José Jorge Letria, escreveu um poema sobre o confinamento a que a pandemia do Covid-19 obrigou!


"Esta ausência não foi por nós pedida,
este silêncio não é da nossa lavra,
já nem Pessoa conversa com Pessoa,
com o feitiço sempre imenso da palavra

Este tempo só é o nosso tempo
porque é nossa a dor que nos sufoca
e faz de cada dia a ferida entreaberta
do assombro que esquivando-se nos toca

Esta ausência é dos netos, dos filhos, dos avós,
é a casa alquebrada pelo medo,
é a febre a arder na nossa voz
por saber que o mal a magoa em segredo

Este silêncio é um sussurro tão antigo
que mata como a peste já matava;
vem de longe sem nada ter de amigo
com a mesma angústia que nos castigava

Esta ausência é uma pátria revoltada
que se fecha em casa sempre à espera
que a febre não a vença nem lhe roube
a luz mansa que lhe traz a Primavera

Esta casa somos nós de sentinela,
à espera que a rua de novo nos console
e que festeje debruçada à janela
a alegria que só nasce com o sol

Esta ausência mais tarde há-de ter fim,
por nada lhe faltar nem inocência;
que se escute o desejo de saúde
anunciando que vai pôr fim à inclemência

Que se abram as portas e as janelas,
que o medo, derrotado, parta sem destino
por ser esse o sonho colorido
que ilumina o riso de um menino."

José Jorge Letria (20 de Março de 2020)