Aquecimento Global? Agora é connosco
Opinião editorial de Rui Tavares Guedes, diretor executivo da revista VISÃO.
https://visao.sapo.pt/opiniao/editorial/2018-08-09-aquecimento-global-agora-e-connosco/
Há quanto tempo sabemos que nos devíamos começar a preocupar com o aquecimento global e com as mudanças climáticas? Há mais de 20 anos, somos capazes de responder em uníssono, numa rara e nada polémica unanimidade. Mesmo sem conseguirmos precisar bem a data em que isso ocorreu, sabemos que foi mais ou menos na última década do século passado, pouco tempo depois de a maioria dos países ter concordado em eliminar a emissão de gases CFC para a atmosfera, os quais estavam a ser responsáveis pela maior destruição de sempre da camada de ozono, aquele frágil e fino escudo que nos protege, enquanto seres vivos, da radiação ultravioleta. Ou seja: há mais de duas décadas que o tema do aquecimento global entrou na nossa agenda de preocupações e de causas – mas, dramaticamente, nunca foi considerado uma emergência, como aconteceu com outras causas “menores”, mas que sempre foram capazes de arregimentar protestos de populações por esse mundo fora, como a construção de centrais nucleares, de barragens ou de explorações petrolíferas.
Durante muito tempo até – demasiado tempo, percebemos agora –, o risco do aquecimento global e das alterações climáticas sempre nos pareceu um problema distante, cujas consequências sérias só iriam ser realmente sentidas pelos nossos netos ou bisnetos, ou por comunidades distantes, em latitudes improváveis.
É verdade que sempre nos avisaram do que podia vir aí. Mas, no fundo, não parecia nada connosco. Fatalmente, fomos adaptando e atualizando o célebre poema atribuído a Bertolt Brecht às novas circunstâncias, numa sucessão dramática de acontecimentos. Primeiro, vimos o gelo começar a diminuir e os ursos-polares a provocarem-nos uns segundos de compaixão, quando os observávamos isolados e presos em frágeis blocos de gelo à deriva – mas, como não vivíamos nos polos e não éramos ursos, não nos importámos.
Depois, recebemos as notícias das primeiras e frágeis ilhas do Pacífico Sul que começavam a desaparecer, nos primeiros sinais de subida do nível das águas – mas, como vivíamos longe e em terra firme, também achámos que não era nada connosco.
O mesmo aconteceu com os relatos das cheias que começaram a assolar, com maior intensidade e frequência, as zonas da Ásia mais vulneráveis às consequências do degelo nos Himalaias – mais uma vez, continuamos a não nos importar.
E até mesmo quando o efeito das secas prolongadas no Norte do continente africano começou a empurrar mais e mais populações para a Europa, arriscando a vida em frágeis embarcações nas águas do Mediterrâneo, focámos sempre o nosso olhar mais na economia, na política e na geoestratégia do que no clima – como quem queria continuar a acreditar que vivia numa espécie de planeta diferente.
Foi preciso as ondas de calor começarem a atingir os países ricos, com persistência e com danos absolutamente inquestionáveis, para a perceção geral começar a mudar: sim, existe mesmo um problema de aquecimento global. Porventura até, dizem os cientistas, irremediável e irreversível. Como tão bem contou o New York Times, no último domingo, o mundo perdeu, entre 1979 e 1989, a oportunidade de tomar as medidas necessárias para o impedir. Desde então, já expelimos para a atmosfera mais gases com efeito de estufa do que em toda a história anterior da Humanidade. E, com isso, já teremos condenado, a médio prazo, a maioria dos recifes tropicais de coral, grande parte da calota polar do Ártico e os glaciares de muitas cadeias montanhosas. Apesar de os cientistas nos terem avisado, tantas vezes ao pormenor, do que ia acontecer. Um exemplo: o incêndio que tem lavrado por estes dias em Monchique estava previsto no mapa de risco elaborado por vários investigadores portugueses!
Não precisamos de ser governados por cientistas; precisamos de governos que saibam ouvir os cientistas – desesperadamente.