Comemorações do centenário do nascimento de Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2019)
Urbana ou natural, lusitana ou helénica
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alta aos olhos na poesia de
Sophia a sua inalterável unidade dentro do múltiplo. É sempre uma voz —
implacavelmente única e muito nossa conhecida — que fala em seus poemas,
invariavelmente surgidos, apesar disso, à distância de toda e qualquer
constrição temática. A sua poesia é atemporal ou histórica, atlântica ou
mediterrânea, urbana ou natural, lusitana ou helénica, política ou subjectiva,
mas sempre se manifesta por tal voz única, que nunca se repete. Subjacente a
tudo isso, através de tudo o que escreveu, essa consciência trágica da
desaparição, do exílio da beleza do mundo a que estamos condenados, muito
dolorida por muito sóbria, que talvez seja um dos fundamentos dessa mesma
unidade.
O
mar é o grande cerne de sua obra, o do Algarve ou o da Grécia, outra grande
obsessão sua. Mais visual que musical — embora alcançasse seus maiores momentos
quando unia essas duas postulações num todo irretocável — poderia situar-se
geneticamente mais para a linha de Cesário Verde do que para a de Camilo
Pessanha, não fosse tudo isso falsificações práticas que tentam escamotear a
grande musicalidade de Cesário e a espantosa visualidade de Pessanha. Os poemas
menos conseguidos de Sophia são, no entanto, aqueles, geralmente mínimos, em
que o elemento sonoro parece renunciar a acompanhar o outro, e o complexo
milagre do poema curto — que geralmente se resolve numa iluminação ou redunda
em fracasso — não se cumpre totalmente, tangenciando às vezes o prosaico, coisa
que aconteceu em um ou outro de seus poemas militantes, logo após o 25 de
Abril, que lhe deram grande notoriedade em Portugal, mesmo se não fossem dos maiores
momentos de sua obra.
Alexei Bueno, 2004